O Fórum de Paz e Segurança de Lomé ajudou, discretamente, a redesenhar o mapa diplomático de África. Numa região onde a mediação formal se tornou sinónimo de ultimatos e declarações de retirada, a edição de 2025 do Fórum, realizada no Togo entre 11 e 12 de Outubro, ofereceu algo novo: uma conversa honesta. O que se desenrolou em Lomé não envolveu a assinatura de comunicados, mas sim a reconstrução dos hábitos de diálogo que as instituições fragmentadas da África Ocidental praticamente haviam abandonado.
Por Christopher Burke (*)
O Fórum foi realizado num contexto de ruptura sem precedentes entre a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Aliança dos Estados do Sahel (AES), composta por Mali, Burkina Faso e Níger. As relações entre os dois blocos deterioraram-se num ciclo de sanções, recriminações e declarações de “separação irreversível”. Contudo, Lomé demonstrou que afastamento não significa necessariamente silêncio. Organizado pelo Togo e presidido pelo ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros da Somália, Abdisaid Muse Ali, o Fórum de Paz e Segurança de Lomé (LPSF) emergiu como uma plataforma discreta, mas vital, de “diplomacia de segunda via e meia”, onde adversários podem falar livremente quando os canais oficiais se encontram bloqueados.
Na intensa sessão de perguntas e respostas que se seguiu às apresentações dos ministros dos Negócios Estrangeiros da AES, a ex-primeira-ministra do Senegal, Aminata Touré, propôs um “quadro de consulta” para aproximar os blocos. A sua sugestão de um mecanismo CEDEAO–AES para diálogo estruturado foi imediatamente apoiada por Dr. Mohamed Ibn Chambas, ex-presidente da Comissão da CEDEAO. O momento foi simbólico: um ramo de oliveira estendido não em forma de exigência, mas como um convite para redesenhar a integração regional. Marcou uma transição subtil, mas significativa, do “regresso” à “reforma”.
As respostas dos ministros da AES foram inflexíveis, mas esclarecedoras. Abdoulaye Diop, do Mali, declarou sem rodeios: “Esqueçam que vamos regressar à CEDEAO; já estamos muito além disso.” Karamoko Jean Marie Traoré, de Burkina Faso, afirmou que a separação “construiu resiliência” e demonstrou que “a autossuficiência é possível”. Mas, em vez de fecharem portas, as suas respostas clarificaram as condições para uma futura cooperação – condições que puderam expressar num fórum concebido para suportar o calor político sem colapsar sob ele.
Esta é a inovação silenciosa de Lomé. Criou um santuário diplomático onde prevaleceu a franqueza e não a coreografia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Níger, Bakary Yaou Sangaré, aproveitou a plataforma para defender com paixão a soberania e a dignidade, insistindo que África deve recuperar o controlo sobre os seus recursos e redefinir as suas parcerias. Citou progressos recentes na luta contra o terrorismo alcançados após a “realinhamento” da cooperação militar estrangeira. Esta afirmação deixou algumas delegações desconfortáveis, mas capturou a essência da agência africana que o Fórum procurou promover.
Ao baixar a temperatura política, Lomé permitiu que uma verdade mais profunda viesse à tona. A crise entre a CEDEAO e a AES não é ideológica, mas relacional. É uma questão de confiança – ou, mais precisamente, da sua ausência. “Saímos da CEDEAO, não da região”, clarificou Diop, sublinhando que os Estados da AES continuam a ver os seus futuros ligados aos dos seus vizinhos, ainda que agora exijam respeito e paridade como pré-condições para a cooperação. Este pormenor, antes perdido no ruído das declarações, só foi possível articular no espaço neutro e digno proporcionado pelo LPSF.
O resultado não foi reconciliação, mas realismo. Como Touré observou mais tarde, trata-se de “um processo longo”. O que Lomé conseguiu foi redefinir a pergunta – não se a AES voltará à CEDEAO, mas como duas visões divergentes de ordem regional podem coexistir. O Fórum reformulou o desafio da diplomacia africana: deixar de impor unidade para negociar coexistência.
É precisamente aqui que a experiência de Angola se torna relevante. Através do Processo de Luanda, o Presidente João Lourenço posicionou o país como um mediador credível na região dos Grandes Lagos, nomeadamente nos esforços de desanuviamento das tensões entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda. A diplomacia discreta de Luanda tem combinado pragmatismo e discrição – qualidades que ressoam com o espírito de Lomé. Ambos ilustram um modelo continental emergente de mediação: liderado por africanos, inclusivo e ancorado na legitimidade moral, e não na validação externa.
A maior lição de Lomé é que a mediação tem sucesso não através da hierarquia, mas da arquitetura da confiança – o andaime humano e informal que torna possíveis os acordos formais. O Togo ofereceu neutralidade, paciência e respeito. Angola acrescenta continuidade institucional e influência. Juntos, apontam para uma nova geração de mediação africana, definida pela contenção em vez da imposição.
Internalizar a experiência de Lomé traz várias lições para Angola e para a mediação africana em geral. O LPSF mostrou que a construção da paz não pode permanecer reservada a presidentes e ministros dos Negócios Estrangeiros. A força do diálogo reside na sua profundidade social. Ao reunir líderes juvenis, representantes da sociedade civil e outros atores ao lado de altos funcionários, Lomé demonstrou como a participação inclusiva confere legitimidade e durabilidade aos processos. Se Angola pretende consolidar o Processo de Luanda, deve igualmente integrar líderes provinciais, redes de mulheres e representantes comunitários na sua arquitetura diplomática. São estas as forças sociais que transformam acordos em papel em contratos sociais vivos.
Da mesma forma, Lomé mostrou que o diálogo não pode sobreviver na abstração – deve ser ancorado nas realidades materiais que sustentam a paz. As discussões em Togo, desde a proposta de Aminata Touré para um quadro de consulta CEDEAO–AES até à ênfase de Bakary Yaou Sangaré na recuperação da governação dos recursos, apontaram para uma nova lógica de mediação que liga a reconciliação ao desenvolvimento partilhado. Os esforços africanos de mediação devem vincular os resultados das negociações a mecanismos tangíveis de reconstrução e integração – corredores económicos, sistemas conjuntos de gestão de recursos e reformas de governação que deem à paz um pulso económico.
Isto exige também investimento na memória institucional, incluindo a formação e mentoria de um corpo profissional de negociadores africanos, a documentação de processos como o formato “Track Two and a Half” de Lomé e a preservação de repositórios de lições que sobrevivam às personalidades individuais. Só com essa continuidade o continente poderá consolidar e estabelecer a sua própria arquitetura de mediação – inclusiva, duradoura e autenticamente africana.
Lomé e Luanda provam que a mediação bem-sucedida depende não apenas da gestão do conflito, mas também do controlo do ego, da narrativa e da perceção. A crise do Sahel, como se discutiu em Lomé, deriva tanto do sentimento de traição nas capitais da AES quanto de divergências políticas. A reconciliação exigirá humildade de todas as partes: a CEDEAO deve aceitar que a região que antes dominava agora exige igualdade, enquanto a AES deve reconhecer que independência não pode significar isolamento.
Através de um diálogo franco e não roteirizado, o LPSF entregou mais do que discursos: apresentou um método. O seu sucesso reside na recusa em perseguir consensos imediatos, concentrando-se, em vez disso, em restaurar a capacidade de conversar. Essa é, em última análise, a base de qualquer paz futura no Sahel.
A conquista do Fórum foi modesta, mas profunda. Recordou a África que a diplomacia não é espetáculo, mas prática – uma disciplina de escuta, paciência e empatia. O desafio de Angola, através do Processo de Luanda, é institucionalizar essa prática e transformar o espírito de abertura de Lomé num quadro continental de mediação sustentada.
Se Lomé foi o sussurro que reabriu o diálogo na África Ocidental, Luanda pode ser o eco que o leva por todo o continente – uma demonstração de que soluções africanas, enraizadas na confiança e na inclusão, continuam a ser o caminho mais fiável de África para a paz.